O que é o golpe do 'abate do porco', que manipula vítimas e esvazia suas contas bancárias

Estatísticas da Gaso indicam que 41

O que é o golpe do 'abate do porco', que manipula vítimas e esvazia suas contas bancárias
Foto Divulgação

Os criminosos utilizam programas de tradução para atingir todo o mundo

Quem não quer ter uma vida melhor? É esta premissa que impulsiona o golpe chamado de "pig butchering" (o "abate do porco", em tradução livre).

Os golpistas primeiro frequentam as redes sociais em busca da próxima vítima a ser iludida. Eles então se apresentam, por exemplo, como o parceiro que ela sempre quis ou o irmão que ela nunca teve, para depois começar a falar de investimentos.

Trata-se de um golpe financeiro de longo prazo relativamente novo. Nele, as vítimas - que os golpistas chamam de "porcos" - são "abatidas" depois de sofrerem forte manipulação emocional. Elas são convencidas a investir grandes valores em supostas plataformas comerciais, conduzidas com criptomoedas.

"A metodologia é nova, mas usa as mesmas características dos golpes amorosos", segundo Luis Orellana, especialista da Polícia de Investigações do Chile (PDI) e secretário-executivo da rede de luta contra o cibercrime na Europa e América Latina (Cibela).

"A diferença deste delito é o tempo dedicado pelos criminosos para 'engordar' a vítima antes de 'abatê-la' quando conseguem o investimento. É principalmente relacionado a investimentos com criptomoedas ou moedas virtuais", afirma Orellana.

Como o golpe é aplicado?

Tudo começa com uma mensagem inocente pelo WhatsApp ou alguma rede social - algo como "olá, tenho você nos meus números de contato, parece que nos conhecemos em algum lugar" ou um suposto erro, "oh, desculpe, eu me enganei" - ou através de plataformas de encontros como o Tinder, onde eles cativam a vítima com fotos atraentes.

"Eles fazem tudo parecer normal e, quando conseguem iniciar a conversa, começam a falar da vida, dos gostos etc.", detalha Orellana. "As conversas se transformam em algo comum e sempre por mensageiros instantâneos. Eles nunca falam por telefone."

Em conjunto com a Cibela, Orellana faz parte do programa de assistência contra o crime internacional organizado entre a Europa e a América Latina, conhecido em espanhol como El PAcCTO.

As vítimas são pacientemente "preparadas" durante semanas. Eles se apresentam, por exemplo, como aquela pessoa que oferece o apoio que você estava procurando.

"É assim que eles ganham a sua confiança para finalmente manipulá-la contra ela própria. Tudo isso gera grande manipulação emocional", explica à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Grace Yuen, da Gaso, uma organização internacional de luta contra este tipo de golpe.

Depois de estabelecerem um forte vínculo de confiança, os golpistas não pedem dinheiro diretamente, mas apresentam às vítimas um website ou aplicativo de investimento falso, no qual as vítimas sentem-se seguras para depositar dinheiro.

A mudança de rumo para os investimentos

"Eles levam o tempo que for necessário", segundo Orellana. "Depois de criarem os laços de confiança, começa a segunda etapa, quando eles começam a falar de investimentos e dos lucros que eles oferecem."

"Tivemos casos no Chile em que eles falam de informações privilegiadas de um suposto tio ou primo que trabalha em um banco de investimento em criptomoedas e comentam sobre sua alta rentabilidade", relata ele.

Todas as pessoas querem ter uma vida melhor e entregam dinheiro a quem elas acreditam que pode ajudar a fazê-lo crescer", explica Yuen. "Os criminosos dizem que querem ajudar as pessoas a oferecer uma vida melhor para suas famílias. Esse tipo de coisas faz com que elas caiam e invistam fortunas nas plataformas."

Os golpistas afastam qualquer desconfiança que suas vítimas possam apresentar, fazendo com que elas acreditem que será um investimento conjunto, ou seja, se o investimento for de US$ 20 mil, cada um deles investirá a metade, por exemplo.

Pouco a pouco, eles indicarão com investir montantes de dinheiro cada vez maiores, com uma série de técnicas psicológicas e artimanhas no website ou aplicativo controlado por eles, que mostra supostos lucros dos seus investimentos. São aplicativos ou websites similares aos originais, mas, neste caso, eles são falsos e controlados pelos criminosos todo o tempo.

"Tivemos pessoas no Chile que começaram com investimentos pequenos e depois acabaram pedindo empréstimos, usando dinheiro das suas aposentadorias... o problema surge quando elas querem retirar parte dos lucros", afirma Orellana.

O golpe pode seguir o roteiro das fraudes amorosas e depois voltar-se para o investimento em criptomoedas

Muitos desses golpes estão relacionados às páginas de encontros. Especialmente durante a pandemia, este tipo de plataforma era muito comum", segundo Yuen.

"Mas nem todos os golpes são apenas românticos. Estamos vendo agora muitas vítimas que conheceram os criminosos no Instagram, Facebook ou LinkedIn - isso, para falar dos grandes, mas, na verdade, eles usam qualquer rede social", acrescenta ela.

Quem são as vítimas?

Diferentemente do que se poderia pensar, muitas das vítimas deste golpe são pessoas estudadas e até com conhecimentos financeiros.

"Cerca de 80% ou mais das vítimas têm diplomas universitários e uma grande parte tem mestrado ou doutorado", segundo Yuen.

"As vítimas são de todas as profissões: desde enfermeiras e advogados até especialistas em informática e engenheiros de telecomunicações. Todos são pessoas com alta formação, normalmente com 24 até mais de 40 anos de idade. E agora estamos também observando vítimas mais idosas", detalha ela.

Os golpistas mantêm um roteiro que é adaptado a pessoas de qualquer idade. Qualquer um pode ser alvo desse golpe que começou na China no final de 2019, mas que se espalhou pelo mundo nos anos seguintes, principalmente nos Estados Unidos.

"Qualquer pessoa pode estar sujeita a este golpe", afirma Yuen. Ela também indica que existem vítimas na América Latina, embora os golpistas se concentrem principalmente nas regiões onde eles acham que possa haver um volume de dinheiro mais alto, como a Califórnia, nos Estados Unidos, onde os salários são muito altos.

Eles procuram maximizar seus lucros. "Muitas vítimas da Califórnia nos procuram, por exemplo, porque perderam facilmente um milhão de dólares neste golpe", explica a porta-voz da organização Gaso, criada em 2021 por uma mulher que foi vítima deste tipo de fraude.

"Mas é claro que também há vítimas na América do Sul [e em outras regiões]. Conhecemos pessoas do Peru, do Brasil e da Espanha, por exemplo, que foram enganadas. Não é nada incomum", acrescenta ela.

Este perfil de vítima existe em todos os países. "Temos recebido denúncias de pessoas com estudos e conhecimentos digitais, além de outras que trabalham na área financeira. E também aposentados, que investem suas aposentadorias. São pessoas de todo tipo", indica Orellana, sobre o perfil das vítimas no Chile.

Como elas são selecionadas?

Os criminosos sabem fazer excelente uso das redes sociais para escolher suas possíveis vítimas. Mas a ferramenta mais útil para eles é o LinkedIn.

"Existem ali ótimas informações para os golpistas", afirma Yuen. "Eles sabem seu nível de estudos, o que já diz muito. Se você foi a uma universidade renomada, há uma boa possibilidade de que esteja ganhando muito dinheiro. Da mesma forma, se você trabalhar em uma empresa mundialmente reconhecida."

Por:Almudena de Cabo - Da BBC News Mundo