Que a justiça seja feita! Caso Isabela Conde vai a júri popular na segunda

Dra em Educação, Comunicação e Tecnologias (Faced/UFBA), Graduada em Comunicação/Jornalismo (UFBA), Mestre em Comunicação e Cibercultura (Facom/UFBA), Pós-Graduada em Metodologia da Pesquisa (UCSAL), Graduanda em Estudos de Gênero e Diversidade (UFBA).
Que a justiça seja feita!
Caso Isabela Conde: Cresce expectativa ao júri popular, adiado para dia 22
- Colunista Rosa Meire Carvalho
Ainda são alarmantes pelas estatísticas e pela forma com que são cometidos, os crimes relativos à violência contra a mulher na Bahia, como a tentativa de feminicídio que sofreu a fisioterapeuta baiana Isabela Oliveira Conde, aos 36 anos, em fevereiro de 2019, em Salvador. Isabela levou 68 facadas em crime contratado por ex-namorado e só sobreviveu após se fingir de morta.
O crime teve o júri popular adiado para o próximo dia 22, a partir das 7h30min., no Tribunal de Justiça da Bahia, no bairro de Nazaré, em Salvador, por motivo de licença para tratamento de saúde da juíza titular.
O julgamento traz grande expectativa de que a justiça se realize para a vítima e lance esperança às outras milhares de famílias e vítimas por todo o país de crimes da mesma natureza. O julgamento entra na última fase, com a etapa de oitiva das partes e julgamento dos envolvidos.
O crime chocou pela violência com que foi cometido. E deixou sequelas profundas na vítima, como o medo, o trauma emocional e a perda da visão de um dos olhos. Nas suas redes sociais Isabela Conde não deixa dúvida quanto à expectativa e contagem regressiva para que a justiça seja feita em seu caso. Ela tem dito que "nenhuma mulher esquece a violência sofrida".
O caso de Isabela está entre aqueles considerados pela entrada em vigor da Lei 13.104/2015, do Feminicídio, como "feminicídio íntimo". A tentativa de feminicídio tornou-se equivalente a tentar contra a vida por razões de violência doméstica e/ou de menosprezo ou discriminação à condição de mulher, praticado por parceiros ou ex-parceiros das vítimas. No caso dos feminicídios, esse perfil de crime corresponde ao tipo de crime de que são vítimas a grande maioria das mulheres assassinadas no Brasil.
Relembre o caso
Isabela foi esfaqueada durante emboscada feita pelo ex-namorado Fábio Barbosa Vieira, inconformado com o desejo de Isabela de romper o namoro. O agressor se utilizou do pretexto de uma carona oferecida a Isabela na saída do trabalho. No carro, Isabela já encontrou sentados no banco traseiro os dois homens, amigos de Fábio e comparsas do crime, Alex Pereira dos Santos e Adriano Santos de Jesus, que na Avenida Bonocô passaram a lhe agredir.
Fábio se utilizou de motivo considerado torpe, vil, infame para tentar tirar a vida da ex-namorada. Isabela Conde faz parte de uma triste estatística. E, pode-se até dizer que após receber 68 golpes de faca pelo corpo, sofrer tentativas de esganadura, socos e outras formas de agressão, o desfecho que se esperava pelos agressores era outro. Isabela, ao fingir-se de morta, teve o corpo jogado à noite na BR-324, imediações de Simões Filho. Foi encontrada por populares e conduzida ao Hospital do Subúrbio. Mas, teve sorte. Sobreviveu.
Mulheres negras
A Rede de Observatórios da Segurança constatou, em seus últimos dados divulgados em 2022 na pesquisa "Elas vivem: dados da violência contra a mulher", que em 2021 a Bahia registrou um caso de violência contra a mulher a cada dois dias. Os dados contabilizaram no total 232 casos no ano, dentre feminicídios, homicídios, tentativas de feminicídio e violência sexual, os tipos mais frequentes, sendo 50 relativos à tentativa de feminicídio/agressão física e 66 casos de feminicídio.
Igualmente chocante dentre esses registros divulgados pela Rede de Observatórios foi o caso de Valdenice Alves de Novais, 53 anos, mulher que pode ser considerada negra pelos padrões de raça/cor do IBGE, residente em Itabuna, na Bahia, enterrada viva, em novembro/2021 pelo companheiro,com quem tinha um relacionamento de cerca de seis meses, motivado por uma suposta traição.
O homem alegou em depoimento que o objetivo era "punir" Valdenice, encontrada viva, cerca de dez dias depois, dentro de uma cova rasa de três palmos, aberta em uma mata, em estado de confusão mental, desidratada e com lesões na cabeça.
Em termos de feminicídio, houve ainda em 2021 casos como o da estudante de cor branca, de 21 anos, Kezia Stefany da Silva Ribeiro, assassinada com um tiro na boca, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador, pelo namorado, o advogado criminalista José Luís de Brito Meira Júnior, que está preso aguardando julgamento.
Padrão dos crimes
Estatísticas divulgadas por outra entidade, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também em março de 2022, com dados obtidos junto às Secretarias de Segurança de todo o país, indicaram que apesar da queda de 2,4% na taxa de assassinatos de pessoas do sexo feminino em todo o Brasil, 1319 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2021, com uma mulher sendo morta em média a cada 7 horas no país. Os dados foram apresentados no documento "Violência contra as Mulheres em 2021".
A Bahia está entre os sete estados que registraram nesse estudo taxas de feminicídio abaixo da média nacional, com 88 casos em 2021 contra 114 em 2020, constatando-se queda global de 22,8%, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Da mesma forma, estudo da SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, autarquia ligada à Secretaria do Planejamento -, publicado também no último mês de março, ao realizar pesquisa sobre o Feminicídio na Bahia entre 2017 e 2020 constatou padrões de ocorrência dos crimes de violência contra a mulher.
Dentre eles, destacamos algumas observações. Primeiro, que as ocorrências de ataques contra as mulheres que levam a feminicídio se dão no período da noite; são mais frequentes nos meses de abril, julho, outubro e novembro; e têm prevalência em municípios do interior do estado (78,6%) contra 16,5% na capital e 4,5% na Região Metropolitana de Salvador. E que em 76% dos casos ocorreram no domicílio, sendo que em 90% deles, as vítimas eram mulheres negras.
As mulheres adultas com idades entre 30 e 49 anos são as principais vítimas de feminicídio, representando no período 2017-2021, que incluiu a pandemia, 52% dos casos. No ano de 2019, no mês de fevereiro em que ocorreu a tentativa de feminicídio contra Isabela Conde, 10 casos de feminicídio foram registrados.
Como um problema endêmico, é necessário, portanto, a continuidade e aprofundamento das ações do poder público junto à sociedade, de esclarecimento e combate ao feminicídio e outras formas de violência contra a mulher por sua condição de gênero.
Mas, não só. Há a necessidade de maior proteção às mulheres vítimas de violência, com aumento do número de campanhas de conscientização e de verbas destinadas a órgãos como a Secretaria de Políticas Para as Mulheres - ainda dependente nesse quesito de fontes financeiras externas para suas ações -, bem como o aumento e melhor preparação das delegacias específicas de Proteção à Mulher, hoje em número de 15 em todo o estado, sendo duas em Salvador, insuficientes para o acolhimento qualificado às vítimas. Ações de promoção da empregabilidade, especialmente para proteger mulheres jovens e de baixa renda, garantindo-lhes acesso a maior protagonismo social, é também considerado outro vetor importante na prevenção ao feminicídio.
Já a punição dos responsáveis, por parte dos Tribunais de Justiça, como agora se aguarda no caso Isabela Conde, extensível a cada uma das mulheres sob ataque contra a vida, a cada 7 horas no Brasil, que não tiveram a mesma sorte de sobreviver, é condição essencial à justiça dos casos. E, contrariamente, ao que diz a letra da música do baiano Thierry,, "Volta Rita…". Não, as mulheres não devem perdoar qualquer facada. Seja física ou simbólica. Que a Justiça seja feita!
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